Chapter 3 - part 1/2



Chap. 3 - Part 1/2
Converso com minha irmã morta quase todo santo dia.


Entro em casa, pego uma garrafa de água na geladeira e subo direto para o quarto, uma vez que não preciso perambular pelo cômodos para saber que Sabine ainda está trabalhando. Sabine está sempre no trabalho, o que significa que este casarão está quase sempre a meu inteiro dispor, ainda que eu raramente saia do quarto.
Sinto pena de Sabine, a vida que ela construiu para si mesma, à custa de tanto sacrifício, foi brutalmente alterada quando caí de paraquedas sobre ela. Por outro lado, como mamãe era filha única e todos os meus avós já haviam morrido antes que eu completasse dois anos, ela não tinha muita escolha. Isto é, ou me botavam em um orfanato até eu completar dezoito anos ou me entregavam para a tia Sabine, irmã gêmea do papai. Embora ela nunca tivesse tido filhos, não sabendo nada do assunto, sequer do hospital para vender seu apartamento, comprar esta casa e contratar um dos melhores decoradores de Orange County para arrumar meu quarto.
Quer dizer, tenho todas as coisas que todo mundo geralmente tem: uma cama, uma cômoda e uma escrivaninha. Mas também tenho uma TV de tela plana, um closet, um banheiro enorme, com jacuzzi e boxe de chuveiro separados, uma varanda com uma vista maravilhosa para o mar, além de uma sala de estudos/jogos só para mim, com sofás, mesas, pufes, aparelho de som, mais uma TV de tela plana e uma minicozinha com micro-ondas e frigobar.
Engraçado como antes eu daria qualquer coisa por um quarto como este.
Hoje, porém, daria o mesmo só para voltar ao que já foi um dia.
Sei lá. Como Sabine passa a maior parte do tempo com outros advogados ou com os figurões cheios de dinheiro que ela representa, talvez tenha achado necessário me cercar por toda essa tralha. Além disso, nunca soube direito se ela não teve filhos por falta de tempo – em função do trabalho -, ou porque não encontrou o cara certo ou simplesmente porque nunca quis ter. Ou quem sabe uma combinação desses três? 
Uma pessoa com minha mediunidade talvez tivesse a obrigação de saber isso tudo. Porém, raramente consigo enxergar a motivação das pessoas. Quase sempre vejo fatos: uma sucessão de imagens que descrevem a vida delas como se fosse um trailer de um filme. Ás vezes, no entanto, vejo apenas símbolos, que preciso decifrar para saber o que significa. Feito cartas de tarô, ou as metáforas daquele livro que a gente teve de ler no ano passado, A Revolução dos Bichos.
Mas estou longe de ser infalível, e muitas vezes me atrapalho toda. Por outro lado, quando isso acontece, a culpa é sempre minha. Ou então, da multiplicidade de significados que alguns símbolos podem ter. Uma vez, por exemplo, interpretei um coração partido ao meio como símbolo de uma desilusão amorosa, até que a mulher em questão caiu dura depois de um infarto. Ás vezes, fico bastante confusa na hora de fazer minhas interpretações. Mas os símbolos e imagens nunca mentem
De qualquer modo, ninguém precisa ser médium para saber que, quando sonham em ter filhos, as pessoas geralmente pensam num bebezinho embrulhadinho numa pequena manta azul ou rosa, e não numa adolescente de 1,60 metro de altura, com os olhos castanhos, cabelos louros, poderes sobrenaturais e todo um passado de vivências e emoções. Portanto, no que me diz respeito, procuro sempre ficar na minha e não atrapalhar a vida da minha tia. Tenho todo o respeito por ela.
Mas não a ponto de contar que converso com minha irmã morta quase todo santo dia.
Na primeira vez que apareceu para mim, Riley estava diante da cama no hospital, no meio da noite, segurando uma flor com uma das mãos e acenando com a outra. Até hoje não sei direito o que me despertou, pois minha irmã não havia falado nada, nem fez qualquer ruído. Acho que senti a presença dela ou algo assim, uma mudança no quarto, a eletricidade no ar.
Primeiro achei que fosse alucinação – mais um efeito colateral dos analgésicos que eu estava tomando. – Mas depois de piscar um milhão de vezes e de esfregar os olhos continuei vendo Riley à minha frente, por algum motivo, em nenhum momento me ocorreu gritar ou pedir ajuda de alguém.
Observei-a indo para o lado da cama, apontou para os gessos que cobriam meus dois braços e umas das pernas e começou a rir. Quer dizer, uma risada silenciosa, mas ainda assim uma risada. Vendo a minha cara de poucos amigos, parou de rir e fez um gesto, como se estivesse perguntando se doía.
Dei de ombros, ainda um pouco irritada com a risada dela e um tanto assustada com o que estava acontecendo. E mesmo duvidando de que era realmente minha irmã quem estava ali, não demorei em perguntar:
- Onde estão mamãe, papai e Butercup?
Mas Riley simplesmente sorriu, juntou as palmas das mãos, e movendo a cabeça, sugeriu que eu voltasse a dormir.
Então, fechei os olhos, mesmo que nunca tenha acatado ordens dela antes. Logo depois, no entanto, abri os olhos novamente e perguntei:
- Ei, quem falou que você podia pegar meu suéter emprestado?
E de um segundo pro outro ela sumiu.
Devo confessar: passei o restante daquela noite arrependida por ter feito uma pergunta tão estúpida, egoísta e superficial. Tinha jogado lixo a oportunidade de obter respostas para algumas das perguntas mais importantes. Em vez disso, preferi implicar com minha irmã morta, só porque ela havia invadido meu guarda-roupa. É como dizem: certas coisas nunca mudam.
Na segunda vez que Riley apareceu, eu estava tão feliz e aliviada por vê-la de novo que não disse absolutamente nada ao reparar que ela estava usando não só o meu suéter predileto, mas também meus melhores jeans e a pulseira que havia ganhado no aniversário de treze anos, para a qual ela sempre espichou  o olho.
Simplesmente sorri e cumprimentei-a com a cabeça e agi como se não tivesse notado nada. Erguendo-me na direção dela, perguntei:
- Então, cadê mamãe e papai? – naquele momento, achei que bastaria firmar o pensamento para que eles aparecessem ali também.
Mas Riley apenas sorriu e sacudiu os braços como se estivesse batendo asas.
- Quer dizer que eles viraram anjos? – perguntei com os olhos arregalados.
Ela revirou os olhos e fez que não com a cabeça, colocando as mãos na cintura enquanto ria.
- Tudo bem, deixe pra lá. – voltei a cabeça com força contra o travesseiro, pensando que, apesar de morta, minha irmã estava brincando com fogo. – Então, como é do lado de lá? – perguntei, disposta a não brigar. – Quer dizer...Você está...vivendo no céu, não está?
Riley fechou os olhos e estendeu a palma das mãos como se estivesse equilibrando algo. De repente, do nada, uma pintura se materializou ali, bege, desbotada, com uma elegante moldura dourada.
Erguendo-me da cama novamente, examinei de perto a paisagem retratada no quadro: uma praia de areia dourada e águas muito azuis, cercada por penhascos tortuosos e árvores florescendo, ao longe, a silhueta embaçada de uma pequena ilha.
- E por que você não está lá agora? – perguntei.
Mas ela não disse nada. Apenas sacudiu os ombros e sumiu, juntamente com a pintura.
Por conta de muitos ossos quebrados, concussão, uma hemorragia interna, diversos hematomas e cortes, entre eles um talho bem fundo na testa, fiquei hospitalizada por mais de um mês, toda engessada e quase sempre sedada. Portanto, coube a Sabine toda a chatice de esvaziar minha casa, providenciar os enterros e empacotar minhas coisas para a mudança.
Ela pediu que eu listasse tudo aquilo que queria levar comigo. Tudo o que deveria se transplantada vida perfeita que eu tinha em Eugene, Oregon, para a vida nova e assustadora que eu passaria a ter em Laguna Beach, Califórnia. Mas, exceto por algumas roupas, eu não queria levar nada. Não seria capaz de suportar tantas lembranças de tudo o que havia perdido, além do mais, uma caixa idiota cheia de tralhas jamais traria minha família de volta.

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Estou terminando de digitar a segunda parte pessoas. ;)
Stay Strong!
XOX

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