Demetria sabia que
naquele dia não o encontraria no celeiro, onde costumava ficar àquela hora.
Normalmente Joseph estava sempre dois passos à frente de seus homens no cuidado
com os animais, especialmente com a seca que tornara o pasto escuro e escasso
nas últimas semanas. Mesmo com o Rio Grande a poucos quilômetros de distância,
a água era uma comodidade preciosa e cada vez mais rara, e os tanques
esvaziavam a cada dia. O Oeste do Texas era quente no meio de setembro, mas
naquela tarde havia um vento forte que provocava um frio anormal. Apesar da
jaqueta, Demetria arrepiou-se ao enfrentar o fim de tarde cinzento. Estava
começando a escurecer e tinha de encontrar Joseph antes de seu pai, pois Eddie
e o capataz haviam discutido várias vezes nas últimas semanas e queria evitar
um novo confronto. Eddie ficava de mau humor quando o dinheiro desaparecia, e a
situação financeira não podia ser pior. Sabia que Joseph estava bebendo.
Conhecia a importância daquele dia de setembro na vida do capataz, pois certa
vez cuidara dele durante uma febre e ele havia delirado, revelando detalhes do
passado. Joseph não gostava de falar sobre sua vida pessoal e ela jamais o
deixara perceber que sabia alguma coisa, pois amava-o mais que a própria vida.
Não era um amor correspondido. Cuidava dele havia três anos, desde que fora
contratado para substituir o antigo capataz, e nem assim conseguira despertar
seu amor. Apaixonara-se no primeiro instante, encantada com o rosto sério e
duro do jovem de olhos negros e misteriosos. Ainda não estava escuro, mas havia
luz no alojamento. Os empregados estavam fora recolhendo o rebanho e era época
de reprodução do gado, quando trabalhavam duro e só voltavam tarde da noite.
Portanto, só podia ser Joseph... bebendo. Eddie não permitia o uso de bebidas
na fazenda, e não pouparia nem mesmo o homem que mais respeitava e considerava.
Demetria tinha os cabelos presos por uma fita de veludo que combinava com o tom
dos olhos castanhos, mas levou a mão ao rosto para afastar uma mecha que o
vento havia soltado. Não extremamente linda, mas possuía um certo encanto,
apesar de achar-se rechonchuda demais. Os cabelos castanhos adquiriam um tom
avermelhado quando banhados pelo sol, e as sardas sobre o nariz lhe davam um ar
de menina travessa. Com um pouco de cuidado teria se transformado numa mulher
charmosa, mas insistia em comportar-se como um moleque. Cavalgava como os peões
e lidava com o gado sem nenhuma dificuldade, mas freqüentemente invejava a
aparência de Ashley, a sofisticada loura com quem Joseph vinha saindo recentemente,
uma mulher elegante que, apesar do divórcio, não perdera o brilho magnético dos
grandes olhos verdes. Era uma escolha estranha para um capataz, mas Demetria
tentava não pensar nisso. Conhecia os motivos pelos quais Joseph a escolhera, e
isso a feria. Nervosa, parou na porta do alojamento e esfregou as mãos frias no
jeans antes de bater. A resposta foi direta:
— Vá embora! - Firme,
ela abriu a porta e entrou no grande aposento comunitário ocupado por leitos
simples. No final do salão havia uma pequena cozinha onde os homens podiam
preparar a própria comida, mas ninguém passava muito tempo no alojamento, pois
a maioria dos empregados era composta por homens casados que possuíam casas na
fazenda. Na época do inventário e da reprodução do gado, vários peões eram
contratados em regime temporário e Joseph dividia o espaço com eles. Neste ano
seis homens prestavam serviço na fazenda, mas partiriam em uma semana e Joseph
voltaria a ser o único ocupante do alojamento. Ele estava recostado numa
cadeira, os pés apoiados sobre a mesa e o chapéu caído sobre os olhos,
escondendo os cabelos empoeirados. Uma das mãos segurava um copo de uísque.
—O que você quer? —
perguntou com tom rude.
— Salvar sua pele, se
puder — ela disse, batendo a porta. Depois tirou a jaqueta e foi para a cozinha
preparar um bule de café.
—Vai me salvar outra
vez, Demii? — riu, usando o apelido que todos conheciam. — Por quê?
— Porque morro de
amor por você — respondeu com sarcasmo. Era verdade, mas falara como se fosse
uma grande piada. Ele riu, esvaziou o copo e olhou para a garrafa que havia
deixado sobre a mesa. Demi foi mais rápida e alcançou-a primeiro, despejando
todo o conteúdo na pia da cozinha antes que ele pudesse levantar-se.
—Sua maluca! — Joe
exclamou. — Era a última que eu tinha!
— Ótimo! Não vou
precisar revirar o alojamento para encontrar as outras. Sente-se e trate de
tomar o café que eu fiz. Vai colocá-lo de pé antes que papai o encontre — e
levou o bule para a mesa. — Ele está revirando as montanhas à sua procura, e
sabe muito bem o que vai fazer se o encontrar neste estado.
—Mas ele não vai me
encontrar, não é, meu bem? — Com passos hesitantes, aproximou-se e segurou-a
pelos ombros, fazendo-a encostar-se em seu peito.
— Você vai me salvar,
como sempre.
—Um dia desses eu posso
não chegar a tempo, e então quero ver como vai se arrumar. - Demi cravou os
olhos preocupados no rosto másculo e sentiu arrepios. Ele nunca a tocava,
exceto por brincadeira ou quando estavam dançando, e a proximidade a
perturbava.
—Só você se preocupa
comigo — disse ele. — E eu não sabia que ia gostar de ser pajeado por uma
garota com metade da minha idade. —Eu não tenho metade da sua idade. Onde estão
as xícaras? —perguntou, usando a desculpa para afastar-se.
—Quantos anos tem?
—Está cansado de
saber que tenho vinte e dois.
—E eu tenho trinta.
Por que perde tempo comigo?
—Porque você é
importante para a fazenda. Quando foi contratado, nós estávamos à beira da
falência, lembra-se? Papai deve muito a você, mas continua odiando bebidas
alcoólicas.
— Por quê?
—Porque mamãe morreu
num acidente de automóvel um ano antes de você chegar, e meu pai estava
dirigindo quando tudo aconteceu. E havia bebido. - Demi encheu uma xícara com o
líquido forte e quente e levou-a para a mesa. Joe voltara a sentar-se e passava
as mãos na cabeça.
—Está doendo? — ela
perguntou, reconhecendo o gesto.
—Ainda não — e tomou
um pouco do café que ela oferecia. —Ei, o que pôs aqui?
— Nada de especial.
Usei o dobro da medida normal para apressar o efeito.
—Eu não quero ficar
sóbrio!
—Eu sei, mas não
quero que seja demitido. Afinal, você é o único por aqui que não me trata como
um caso perdido. Além de papai, é claro.
—Então empatamos,
porque você é a única que se preocupa comigo. Pelo menos nos últimos anos...
—Ashley também cuida
de você.
—É, acho que sim. Nós
nos entendemos bem.
Sabia que ele estava
pensando no relacionamento ardente que mantinha com a loura, mas fingiu não
entender. Levantou-se e, com um sorriso forçado, encheu novamente a xícara.
—Beba tudo,
companheiro. O vigilante da ordem e dos bons costumes já deve estar por perto.
— Estou melhor — ele
disse, depois de terminar a segunda xícara. — Pelo menos
com relação à bebedeira. Meu Deus, como odeio dias como o de hoje — e acendeu
um cigarro. Demetria não podia dizer que o compreendia sem trair seu segredo,
mas lembrava-se de como ele havia gritado durante o pesadelo que trouxera o
passado de volta. Pobre homem torturado. Perdera a esposa grávida num acidente
de barco ao qual ele tivera a infelicidade de sobreviver, e culpava-se por
estar vivo enquanto a mulher e o filho estavam mortos.
— Acho que todos nós temos dias bons e ruins —
comentou. — Se já está bem, vou voltar para a minha cozinha. Papai faz questão
de sua torta de maçã, e eu fiquei a tarde toda na frente do forno.
—Que dedicação! Logan
vem visitá-la esta noite?
Envergonhada,
respondeu:
— Logan é o
veterinário da fazenda.
—Mas podia ser seu
namorado. Você já é uma mulher adulta, e precisa da companhia de um homem.
— Obrigada, mas eu
conheço minhas necessidades. Trate de enfiar a cabeça num balde de água e lavar
a boca com menta.
—Mais alguma coisa,
mamãe?
—Só uma: pare de
beber, porque isso só piora as coisas.
—Você é tão esperta,
Demi! Pena que ainda não tenha vivido o bastante para saber porque alguém bebe.
— Vivi o suficiente para saber que ninguém resolve um
problema fugindo. E não resmungue, porque estou dizendo a verdade e você sabe
disso. Passou anos vivendo no passando, deixando que ele o assombrasse... — e,
vendo que ele a encarava com um brilho de suspeita nos olhos, disse:
— Não quero ser intrometida, mas conheço um homem
atormentado de longe. Porque não tenta viver o presente, Joe? Não é tão ruim,
mesmo que seja época de reprodução e inventário. Até logo.
Estava tão nervosa, que dirigiu-se à porta sem apanhar
a jaqueta, e só lembrou-se dela quando o vento gelado a atingiu. Virou-se para
ir buscá-la e trombou em Joseph.
—Vista isso, ou vai congelar. Segurou a jaqueta para
que ela a vestisse e, de maneira inesperada, segurou-a pelos ombros, abraçando-a
com ternura. —Não perca tempo comigo, Demi — disse. — Eu não tenho nada para
oferecer.
— Você é meu amigo,
Joe. E eu só quero conservar essa amizade. — mentiu.
—Melhor assim — e
soltou-a. — Eu não gostaria de magoar alguém de quem gosto tanto.
Demetria abriu a porta e olhou para trás, sorrindo
para o homem que acabara de destruir seus sonhos:
— Da próxima vez que quiser entrar em órbita, tente as
pimentas do Charlie. Sua cabeça vai girar como um pião, mas pelo menos não vai ter
de suportar a ressaca no dia seguinte.
— Saia daqui! — ele riu.
—Se eu encontrar meu pai, vou dizer que você estava
tomando um lanche antes de ir alimentar a criação — e fechou a porta,
deixando-o sozinho com suas reclamações. Quando chegou em casa, o pai a
esperava na sala e fitou-a com olhos desconfiados.
—Onde esteve? —
perguntou.
—Vendo os carneiros —
mentiu com ar inocente.
—Carneiros, ou um
sujeito chamado Joseph?
— Bem...
—Demi, se eu pegar
Joe com uma garrafa, vou esquecer que é o melhor capataz do mundo e o porei
para fora a pontapés.
— Ele estava tomando
um lanche no alojamento, e eu fui ver se queria um pedaço da minha... desculpe,
da sua torta de maçã.
—Aquela torta é
minha, e não vou dividi-la com ninguém!
—Eu fiz duas, seu
velho egoísta e rabugento, e você sabe que nunca terá coragem de demitir o
melhor capataz que já teve. - Eddie terminou de acender o cachimbo e cravou os
olhos no rosto da filha.
—Você vai acabar
sofrendo por causa daquele sujeito.
— Eu sei...
—Ele não é o que
parece, filha.
—O que quer dizer?
—Ele chegou aqui sem
nenhuma referência, sem documentas e sem uma história. Eu o empreguei porque
percebi sua habilidade com animais e números, mas sei que Joseph não é um
vaqueiro. É elegante, e sabe muito sobre técnicas de negócios para ser um homem
pobre. Escute bem o que estou dizendo, filha. Há muito sobre ele que ainda não
sabemos.
—Ele parece um pouco
deslocado — admitiu, sem dizer que sabia o que o fizera ir para uma fazenda no
fim do mundo. Tinha dinheiro, mas sofrera uma perda trágica e decidira
esconder-se para curar a dor e proteger-se contra novas desilusões.
Preocupado, Eddie
prosseguiu:
—Esse homem pode ser
qualquer coisa, até mesmo um fugitivo da polícia.
—Duvido. Lembra-se de
quando perdeu aquela nota de cem dólares no celeiro e ele veio devolver? Já vi
Joseph arriscar-se para ajudar vaqueiros inexperientes. Ele pode ser mal
humorado, mas é prestativo e gentil com os outros. Vive resmungando e
reclamando, mas os peões só fogem para as montanhas quando ele está realmente
furioso. E mesmo assim, nunca perdeu o controle.
—Eu já notei, e isso
também me intriga. Ninguém é tão controlado, a não ser que tenha uma boa razão.
Esqueça, minha filha, e trate de prestar atenção em outros homens.
—Mas... É você quem
vive me empurrando para ele!
—Eu gosto dele, mas
não corro nenhum risco com isso. Pode entender?
—Acho que sim. Tudo
bem, papai. Logan me convidou para ir ao cinema, e eu vou aceitar. O que acha?
—Que belo prêmio de consolação! Logan é um palhaço!
Não sei como ele conseguiu concluir o curso de veterinária. É o tipo de homem
que devia apresentar rodeios ou campeonatos de gado.
— É o tipo que eu gosto — Demetria sorriu. — Simples,
divertido e sem problemas.
—É um selvagem, isso sim!
—Eu posso domesticá-lo. E agora vamos acabar com esta
conversa, porque tenho muito o que fazer na cozinha.
—E eu vou até o alojamento. Quero ver se Joseph estava
mesma fazendo um lanche.
Demi foi para a cozinha e conteve o suspiro de alívio
até ver o pai sair e fechar a porta atrás de si.
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Então... haha capítulo um postado. Depois posto o capítulo dois, acho que vou postar até o três pra vocês.
Stay Strong!
XOXO
Bia.
Prometi a você que ia comentar todos os capítulos então, aqui estou eu...Garota, você escreve muito bem! Devia escrever um livro!haha
ResponderExcluirNão, agora é sério... Eu sou completamente apaixonada por histórias épicas e solitárias... Sabe? Que se passam no interior, a garota inocente que não é tão inocente e o cara suspeito por quem ela se apaixona... É tão clichê, mas ao mesmo tempo é tão... Perfeito!
Amando MUITO essa fic...
YAY! Bom espero um dia ser capaz de escrever um livro haha
ExcluirBrigadão por cada comentário.
Beijão